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Ensaios-->PETER BICHSEL: um autor suíço que o Brasil ainda não conhece -- 10/10/2001 - 00:30 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O autor suíço Peter Bichsel é praticamente desconhecido do leitor brasileiro. Em publicação bilíngüe, no início dos anos 70, o Instituto Goethe (SP) publicou a narrativa curta 'San Salvador', incluída em 'Eigentlich möchte Frau Blum den Milchmann kennenlernen' [Na verdade a senhora Blum gostaria de conhecer o leiteiro], de 1964, sua primeira e mais conhecida coletânea. É tudo.

Peter Bichsel nasceu em Lucerna, Suíça, no dia 24 de março de 1935, filho de um artesão, e cresceu em Olten. Terminada a formação escolar, trabalhou como professor primário até 1968. De 1974 a 1981, foi assessor pessoal do então senador Willy Ritschard. Entre 1972 e 1989, permaneceu várias vezes em universidades americanas, seja como 'writer in residence', seja como docente convidado. Vive em Bellach, no cantão de Solothurn.

O título acima mencionado, na tradição dos títulos narrativos iniciada por Brecht, seria por si só uma narrativa típica de Bichsel: 'Na verdade a senhora Blum gostaria de conhecer o leiteiro'.

Neste site, o leitor vai encontrar, por mim traduzida, uma mininarrativa chamada 'Zur Stadt Paris' [À cidade de Paris], que se compõe de uma única frase afirmativa, falando de uma aldeia, num cantão suíço, com uma loja de armarinhos chamada 'Zur Stadt Paris', seguida de uma pergunta: 'Se isto seria uma narrativa?'

Ainda neste site, o leitor poderá localizar alguns textos, como 'O maior de todos os inventos humanos', sobre a obra ensaística de Bichsel.

Em 1969, lançaria 'Kindergeschichte', reunindo 7 narrativas. Nelas, Bichsel prossegue fiel a seus temas: a solidão, a ausência de comunicação, a invenção literária como única saída. Suas narrativas nascem de uma profunda reflexão lingüística e trazem as marcas de sua intensa convivência com crianças, quando professor. Tratam do desejo insistente de tomar literalmente as palavras, provocando com isso o mundo dos fatos, ao acreditar que a terra é redonda e que uma mesa é uma mesa. Às vezes, coloca em dúvida o mundo dos fatos, como em 'Amerika gibt es nicht' [A América não existe]. Alguns desses contos costumam aparecer em antologias ou em obras didáticas, pela facilidade que eles oferecem ao leitor que ainda se inicia na língua e na literatura alemãs. Mas não têm razão, no meu entender, aqueles que, por isso, tratam de diminuí-lo, como sendo um autor fácil ou menor.

Ao longo dos anos 70 e no início dos anos 80, o trabalho jornalístico suplantou a produção literária. Só em 1985, com 'Der Busant', o público volta a conviver com histórias verdadeiramente bichselianas.

Mesmo tendo deixado a profissão de professor, Bichsel seguiu nos ensinando que, na banalidade da vida, se pode produzir alguma coisa que talvez lhe possa dar sentido, algo de comunicável.

'Erklärung' [Explicação] é a última das 21 narrativas (de página ou página e meia) que compõem 'Eigentlich möchte Frau Blum den Milchmann kennenlernen'. O livro se abre com 'Häuser' [Casas] e persegue, ao longo das narrativas, seus moradores, pessoas comuns, vivendo contíguas, mas incomunicáveis entre si. Entre a senhora Blum e o leiteiro, uma vasilha amassada que espera lá embaixo e uma troca de bilhetes lacônicos são tudo o que um pode saber do outro. Pela voz do narrador, o leitor tem acesso a esse universo imaginário e incomunicável, à tentativa de compreensão mútua resumida nas breves frases rabiscadas em pedaços de papel.

Em 'San Salvador', enquanto aguarda a mulher que ensaia com o côro da igreja e as crianças dormem, um homem se acha sentado à mesa e experimenta uma caneta tinteiro recém-adquirida. Depois de rabiscar várias vezes a própria assinatura, as iniciais, algumas linhas onduladas numa página, ele recomeça em outra página, que dobra cuidadosamente, para sobre ela escrever: 'Para mim, aqui está demasiado frio. Vou para a América do Sul.' Mais abaixo, seu nome, Paul. O leitor é levado a antecipar a reação da mulher, ao retornar da igreja. Primeiro, não acreditaria nessa história de América do Sul. Mas, em todo caso, não custava conferir as camisas na cômoda. Em seguida, telefonaria para o 'Löwen', se desesperaria, mas acabaria se conformando. Tudo isso, apenas na cabeça de Paul, que continua sentado à mesa, relê as instruções de uso da caneta, imagina para quem poderia escrever uma carta, compara as instruções em inglês e alemão, torna a olhar para a folha onde escrevera as frases, pensa em palmeiras, pensa em Hildegard. Quando ela entra, tudo é bem mais prosaico do que os seus rabiscos com a caneta gostariam de supor. Pergunta se as crianças estão dormindo e, um gesto muito repetido, ajeita os cabelos que lhe pendem sobre a testa. Tudo isso em 40 linhas mais ou menos. Sobre o título, Bichsel transfere para o personagem uma confusão freqüente para um europeu comum. O leitor brasileiro não deixará de pensar que o título poderia, melhor, deveria ser 'São Salvador', que é uma cidade sulamericana.

Certa vez, em Göttingen, tive a oportunidade de ouvi-lo, quando fez a leitura de alguns textos (1975). Ao conversar com ele, eu lhe disse, sem muita certeza, é claro, que um dia gostaria de traduzir as suas narrativas para o português. Ficou satisfeito e, ao me estender um cartão com o endereço em Bellach, Solothurn, me pareceu de fato acreditar que eu o faria. Não tive ainda oportunidade de ir à Suíça visitá-lo, mas continuo sendo um leitor entusiasmado de sua obra. Logo que possível, trato de lançar as traduções que fiz dos dois volumes de contos acima mencionados, e de um volume de ensaios chamado 'Frankfurter Poetikvorlesungen' [Aulas de Poética em Frankfurt]. Com 'Explicação', os colegas usineiros ficam sendo os privilegiados leitores da primeira hora. Boa leitura.

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ERKLÄRUNG

Am Morgen lag Schnee.

Man hätte sich freuen können. Man hätte Schneehütten bauen können oder Schneemänner, man hätte sie als Wächter vor das Haus getürmt.

Der Schnee ist tröstlich, das ist alles, was er ist - und er halte warm, sagt man, wenn man sich in ihn eingrabe.

Aber er dringt in die Schuhe, blockiert die Autos, bringt Eisenbahnen zum Entgleisen und macht entlegene Dörfer einsam.

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EXPLICAÇÃO

De Peter Bichsel
Trad.: zé pedro antunes

Pela manhã, havia neve.

Alegrarmo-nos teria sido possível. Teríamos podido montar cabanas de neve, ou bonecos; teríamos podido postá-los diante da casa como vigias.

A neve é consoladora, é tudo o que ela é - e manteria quente o corpo, dizem, se nela nos enterrássemos.

Mas penetra nos sapatos, bloqueia os automóveis, leva os trens ao descarrilhamento e torna solitárias as aldeias longínquas.
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